sábado, 8 de maio de 2010

O NOVO PAPEL SOCIETÁRIO DAS ENTIDADES BRASILEIRAS

Por Ivan Matos Carvalho

Considerada por vários especialistas como a maior alteração de práticas contábeis dos últimos 30 anos, a Lei nº 11.638 de 2007 buscou em sua estrutura, alcançar o padrão internacional de contabilidade (IFRS - International Financial Reporting Standards), adotado hoje por mais de 100 países, para adequar a Lei das Sociedades por Ações (6.404/76) às atuais realidades econômicas do país e do mundo.
Muito esperada, esta lei reformulou a parte contábil da Lei 6.404/76, adequando-a às normas internacionais de contabilidade emitidas pelo International Accounting Standards Board (IASB), e em consonância possibilitou a observância de sua aplicação a órgãos competentes como a comissão de valores mobiliários (CVM) e ao Banco Central do Brasil (Bacen). Mesmo diante das vastas mudanças, para grandes conhecedores da área, esta lei ficou em alguns pontos, com aspecto de legislação inacabada ou aprovada às pressas, o que resultou em questões não muito claras para seus aplicadores. Neste sentido, com o intuito de esclarecer e tornar sua aplicabilidade mais eficaz diante dos processos jurídicos, fora introduzida no ordenamento legislativo a MP nº 449/08, que trouxe consigo alguns ajustes necessários para recente legislação, simplificando questões de cunho contábil fiscal e societário. Esta medida, mesmo considerada por diversos parlamentares como “uma arbitrária reforma tributária, imposta pelo governo”, foi convertida em 27 de maio do ano corrente na Lei nº 11.941/09, confirmando a força de aplicação de suas novas orientações.
Em síntese, além do impacto trazido para o fim de convergência às normas internacionais, as principais mudanças apontadas por estas legislações à aplicação contábil, foram dadas a cerca das demonstrações financeiras, dos grupos de contas do balanço patrimonial, da representatividade e identificação de coligações entre investidas, além dos critérios de avaliações de seus investimentos e do tratamento dado para transformação de capital entre entidades.
Para relevância do estudo contábil societário, observamos, em primeira instância, que a Lei nº 11.638/07 tornou relevante algumas mudanças quanto às demonstrações financeiras aplicadas às entidades. Foram incluídas as demonstrações de valor agregado (DVA), aplicável tão somente às companhias abertas, e a de fluxo de caixa (DFC), que substituiu a obrigatoriedade da demonstração de origens e aplicações (DOAR). Além destas inclusões, foram feitas também alterações em alguns pontos do demonstrativo “Balanço patrimonial”. As mudanças aplicadas a este demonstrativo alcançaram a criação do subgrupo “Intangível”, que se refere ao tratamento dos bens incorpóreos, unindo-se aos já existentes como Investimentos, Imobilizado e Diferido, no grupo “Ativo Permanente”. Além deste ponto, observam-se as criações das contas de Ajuste de avaliação patrimonial e Prejuízos acumulados no grupo patrimônio líquido, ambas substituindo as “reservas de reavaliações” e “Lucros e prejuízos acumulados”. Torna-se importante frisar, que o fim da conta “lucros acumulados” já estava previsto na ordem da lei 6.404/76 através de outras alterações antecessoras a Lei 11.638/07. Esta anterior situação veio dispor que os lucros não destinados a “reservas de lucros” deveriam ser devidamente distribuídos como dividendos. Assim sendo, para o fim de entendimento, a lei 11.638/07, não mais prevê a existência da conta “lucros acumulados” no patrimônio líquido das empresas.
Para tanto, tais mudanças direcionadas ao balanço patrimonial acabaram por sofrer alguns impactos da medida provisória 449/08, precedida da lei 11.941/09. Para o ativo excluiu-se o subgrupo diferido, observando que o saldo existente desde 31 de dezembro de 2008 que não pudesse ser alocado a outro grupo, permaneceria no ativo sob esta classificação até sua completa amortização. Além desta importante exclusão, a aplicabilidade do art. 178 da lei 6.404/76 seguida de suas alterações, passou a expressar todo o ativo dividido em “circulante” e “não circulante”, o que representou o fim do termo “Ativo permanente” neste demonstrativo. Em síntese, o ativo “não circulante”, apresentado no ordenamento da MP 449/08, representa-se atualmente pelos subgrupos “realizável a longo prazo", “investimentos”, “imobilizado” e “intangível”.
Para o passivo deste demonstrativo, excluiu-se o grupo “Resultados de exercícios futuros”, ficando os saldos ainda existentes reclassificado no passivo não circulante em conta representativa de “receita diferida”, e em seguida substitui-se a nomenclatura exigível a longo prazo pelo termo “não circulante”, assim como proposto ao ativo. Para o patrimônio líquido, não houve alterações na redação legislativa, permanecendo a abordagem dada pela Lei 11.638/07.
Outra importante alteração na legislação contábil apresenta-se em relação à identificação de coligações entre as empresas, representada no âmbito do artigo 243. Anteriormente, a Lei nº 6.404/76 descrevia como tal, a participação entre empresas representada por 10% (dez por cento) ou mais, sem que uma detivesse controle sobre a outra. Com o advento da MP 449 (hoje Lei nº 11.941 de 2009), esta definição expressa um contorno mais restrito para tal situação, pois passa a considerar coligação, quando de um investimento de influência significativa no patrimônio da investida. Para tal, a redação legislativa aponta duas considerações a despeito do tratamento do que venha a ser “influência significativa”, a saber: considerar-se-á que haverá tal condição quando a investidora detiver ou exercer o poder de participar nas decisões das políticas financeira ou operacional da investida, sem controlá-la; e presumir-se-á “influência significativa” quando a investidora for titular de 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante da investida, também sem o poder de controlá-la.
Em continuidade, seguindo o mérito da avaliação dos investimentos em coligadas ou controladas, a Lei 6.404/76 destacava anteriormente em seu artigo 248, que, em coligações, apenas as participações relevantes, cuja administração detivesse influência ou que representasse em mais de 20%, seriam avaliadas a valor de Patrimônio Líquido. Para o caso de investimentos em controladas, os mesmos já estariam enquadrados ao critério de avaliação do artigo. Esta redação, porém, recebeu uma influência significativa da Lei 11.638/07, incluindo na obrigação retratada a controladas, outras sociedades que fizessem parte de um mesmo grupo ou estivessem sob controle comum das referidas empresas.
Vista as alterações dadas ao artigo 243, percebe-se que houve a necessidade de enquadrar, “e não necessariamente alterar”, o artigo que tratava sobre os critérios para avaliações dos investimentos aqui já mencionados, ou seja, fez-se necessário reavaliar a abordagem dada ao artigo 248 da legislação através da idéia inserida pela MP 449/08. Realizando uma analogia simples, percebemos que, quando do anterior critério de coligação, ou seja, quando era possível encontrar coligação numa participação de até 10%, o artigo 248 idealizava que apenas era obrigatório utilizar-se de um critério que valorava o investimento pelo valor do patrimônio líquido, os investimentos “relevantes” em coligadas com influência na administração ou participações acima de 20% sem a observância de controle. Nota-se neste momento, que a redação anterior do artigo 248 remete ao que hoje seria a atual ideia dada ao critério de coligação entre empresas, e por tal motivo fez-se necessário enquadrar a abordagem deste artigo.
Em síntese, a alteração trazida pela MP 449/08 ao artigo 243, levou ao artigo 248, mesmo já alterado pela Lei 11.638, a delimitar em sua redação apenas a condição para tal avaliação, os “investimentos em coligadas ou controladas”, sem a necessidade de especificar percentuais e influências administrativas em seu texto, pois esta situação remetia anteriormente a uma ideia de exclusão de algumas coligações. Para o novo texto, a legislação definiu e delimitou o uso do método de equivalência patrimonial para a avaliação dos investimentos em todas as coligações, permanecendo ainda as alterações trazidas pela Lei 11.638/07.
Para a abordagem nos processos de transformação de capitais entre as empresas, houve uma simplória inclusão dada pela Lei 11.638/07 e que em seguida necessitou de novas orientações da MP 449/08. O artigo 226, que trata das operações de incorporações, cisões e fusões, passou a englobar, com a inserção da Lei 11.638/07, um novo parágrafo no texto legislativo, ao qual se delimitou que as referidas operações passariam a ser a contabilizadas pelo valor de mercado em qualquer situação. Para este caso, a MP 449/08 ou atual Lei 11.941/09 precisou enquadrar o novo trecho, passando a delimitar o poder de orientar tais normas à competência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Por fim, em relação à abordagem das consolidações das demonstrações contábeis, constata-se que não houve reais alterações nos procedimentos para tal situação, vista apenas mudanças na nomenclatura “ativo permanente” para o uso do termo “ativo não circulante”, definido pela inserção da MP 449/08 e permanecendo, assim, as mesmas orientações dadas pela lei das sociedades por ações.
Em conclusão à abordagem realizada aos principais pontos nas mudanças da lei das sociedades por ações, relevantes no primeiro momento tão somente ao âmbito societário, percebemos que tais alterações acabaram por direcionar os estudiosos e profissionais da área a uma importante posição no cenário contábil nacional, ligando-se diretamente as necessidades globais e do crescimento econômico do nosso país. É fato, que em algumas situações, a aplicação da MP na ordem contábil trouxe de forma necessária algumas neutralidades aos efeitos da Lei 11.638/07, vista as várias disparidades de informações em seu contexto, não significando porém, sem que entremos no mérito técnico de sua aplicabilidade, que sua inserção ou função foi posta a prova, pois é dito inegável sua grande contribuição à aplicação do novo papel da ciência contábil do nosso país às exigências do mundo.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 17 dez, 1976.
BRASIL. Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, p.7, 28 dez, 2007.
BRASIL. Medida Provisória 449, de 03 de dezembro de 2008. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, p.41, 03 dez, 2008.
BRASIL. Lei nº 10.941, de 27 de maio de 2009. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 28 dez, 2009.
GIROTTO, Maristela. A migração das normas contábeis brasileiras para o padrão internacional: especialistas analisam o processo. Revista Brasileira de Contabilidade, Brasília, nº 175, p. 7-23, jan-fev, 2009.
OLIVEIRA, Antônio Benedito Silva; ET AL. Métodos e técnicas de pesquisa em contabilidade. São Paulo: Saraiva, 2003.

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